O alto-mar é azul-mistério. Profundo, vasto, perigoso, traiçoeiro. Juridicamente, não é território de nenhum país. Não há soberania estabelecida. O alto-mar é soberano por si, reconhecido por outros —imperativo e respeitado. Vive como se alheio à tecnicidade, às normas, aos contratos e convenções.
Há um universo inteiro existindo, impossível de enxergar, conhecer e aproximar.
Alto-mar resiste e existe, tão desconhecido por todos nós. Exige de nós equipamentos para respirar, enxergar, conhecer. É um mergulho nas nossas próprias limitações. Somos seres tão evoluídos, mas não podemos com o mar.
Navegar em mares com ondas tão altas que o horizonte se transforma em uma parede de água salgada.
Para conseguir boiar em alto-mar, é preciso sabedoria.
Sonhei com um mar que nos invadia, e assim o mundo se acabava. Era o desconhecido tentando se aproximar. Será que tenho sonhado com o mar porque o mundo está pegando fogo? Tem sido difícil sonhar com a chuva, mas enquanto escrevo, ela apareceu na janela do quarto. Pode-ser um bom presságio, igual história de marinheiro.
Quando criança, ao brincar nas ondas que quebravam na praia, minha perna direita ficou presa pelo mar, e assim precisei pensar rápido e dar uma cambalhota dentro da onda para não me afogar. Engoli muita água, mas não senti medo.
Na adolescência, nadei em alto-mar até chegar a um coral. O trajeto foi sufocante, com meus braços e pernas lutando para me manter ali. É uma sensação estranha sentir os pés tocando algo tão profundamente desconhecido.
A primeira tatuagem que desenhei no meu corpo foi uma rosa-dos-ventos, no calcanhar da perna direita que ficou presa nas ondas do mar. Um desenho ornamentado com a lua e o sol em perfeito equilíbrio com o sistema solar; na orientação-norte, o guia é um coração, já na orientação-sul, o símbolo de uma pena.
Os traços marcados na pele dizem para seguir com leveza meu caminho, ter direção, sim, mas me lembrar de me guiar também, e especialmente, pelos meus sentimentos — meu foro íntimo —, ainda que a rota da razão sempre se apresente com mais firmeza. Não esquecerei.
Quando estou no mar, me sinto atraída pelo mistério — o silêncio e a solidão que a natureza, em sua essência, impõe. Ao mesmo tempo, há uma completude no simples fato de existir, que afasta a sensação de estar sozinha.
Dessa imensidão de azul-marinho salgado, as histórias de quem o desbravou são as mais bonitas.
Olhou para o mar que se perdia no horizonte e verificou o quanto estava só agora. Só podia ver os prismas na água profunda e a linha estendendo-se à frente do barco e a estranha ondulação calma do mar. As nuvens estavam subindo cada vez mais, por causa da mudança do vento. O velho olhou para o norte e viu um bando de patos bravos delineando-se no céu sobre o mar. Depois desapareceu e tornou a aparecer ao longe. Na verdade, no mar alto, nunca se está completamente sozinho.
O texto dessa edição foi inspirado na obra O velho e o Mar, o último livro publicado por Ernest Hemingway, e o meu livro favorito da vida.
Um universo desconhecido e gigantesco que começa quando a água salgada toca nossos pés. É muita grandeza para um simples humano entender... Assim como o Velho e o Mar é gigantesco em significado para ler só uma vez.
Que presente essa publicação!