Há duas semanas, qualifiquei-me no mestrado. Entre a aprovação na seleção de pós-graduação e esse dia, passaram-se pouco mais de dois anos. Nesse espaço de tempo, um pouco maior do que o convencional (meu programa de mestrado tem duração de três anos e a minha matrícula foi realizada no meio de 2021), cursei disciplinas e pensei muito sobre meu projeto de qualificação. Digo, achei que teria mais tempo, faria muito mais do que fiz.
A verdade inconveniente é uma só: ninguém vai se dedicar tanto quanto gostaria, mesmo quando é algo que se quer muito e é difícil de conseguir. Para mim, isso foi um sintoma. Se eu gosto tanto de estudar, tanto do meu objeto de pesquisa, por que não flui? Quando me dei conta, o prazo para submissão da qualificação estava batendo à porta, já era tarde demais.
Ajuste de expectativas.
O que é possível fazer e entregar dentro do prazo que resta? O que é obrigatório e o que é opcional? Qual é o mínimo necessário? Estabelecidos esses parâmetros e reduzindo o alto valor dado a um arquivo .word, no final de dezembro de 2022, submeti o projeto no sistema da Universidade.
Próximo passo? Ignorar com sucesso o projeto de qualificação.
Sabe por que fiz isso? Porque as pessoas insistem em agir como se fosse possível fazer o mestrado todos os dias. Isso não existe.
Trabalhos intelectuais, que exigem muita leitura, concentração e escrita, geram muita estafa mental. Essa parte ninguém fala. Ou fala-se muito pouco.
Precisei me afastar do meu objeto de pesquisa. Descansar. Me segurei na máxima: eu escrevi, então sei mais do que ninguém sobre o teor desse trabalho, e fui.
No meu caso (aqui é um relato pessoal, ok?), a banca de qualificação foi, de longe, o melhor momento do mestrado até aqui. Acho que existem algumas razões prévias para isso: não sou uma pessoa vaidosa sobre as minhas ideias e lido muito bem com críticas. Falo isso porque pintaram um monstro com quinze tentáculos, dezessete olhos e três cabeças sobre a banca de qualificação para mim. Evidentemente, sei de colegas que tiveram experiências muito delicadas e complexas nesse momento e isso gerou um trauma. Mas não é sobre casos que precisam ser levados à coordenação do PPG que eu estou falando, obviamente.
No geral, acho que as pessoas se levam muito a sério e, consequentemente, levam muito a sério suas produções. Isso não é exatamente ruim, mas o peso dado para certas coisas é além do necessário, entende. Longe de mim a perfeição, por favor, fique longe. Não quero que concordem com tudo que escrevo.
No início da banca, me esclareceram que ali era um momento para conversarmos sobre meu projeto, entender minhas intenções, verificar o que foi desenvolvido e indicar os próximos caminhos para a dissertação chegar redonda na defesa. Eu pude fazer uma breve introdução e, em seguida, ouvir as considerações da banca. Uma das coisas que mais gostei foi ouvir que as perguntas e críticas (no sentido positivo) feitas ali antecipariam os questionamentos que certamente viriam no dia da defesa. Compreender isso é essencial para que o rito dessa etapa de avaliação seja um estímulo e não um purgatório acadêmico.
Após uma hora, a banca foi concluída e meu projeto de qualificação foi aprovado. Levei o trabalho impresso e fiz anotações à mão. Prefiro assim porque é o jeito que fixo mais facilmente as coisas e depois me recordo melhor dos comentários. Com as anotações em mãos, abri o arquivo do projeto em .word e anotei cada um deles com a ferramenta de comentários nos mesmos lugares onde fiz as notas em papel.
O próximo passo é adaptar as considerações feitas e reestudar alguns caminhos que não estavam bons. Por exemplo, o título não refletia a pesquisa. Mas há muitas outras questões que envolvem escolhas que podem alterar as estruturas do trabalho. Estou preparada para a próxima etapa.
Um ponto alto da qualificação foi a menção do doutorado naquele momento, falaram “Marina, isso aqui você pode levar para o seu doutorado”, ou algo assim. Eu não tinha certeza se seguiria com o doutorado até aquele momento. Os concursos públicos para professores de nível superior no Brasil são um tema à parte e é sempre preocupante dedicar-se a algo que talvez não dê nenhum retorno financeiro (vivemos no capitalismo e isso precisa ser refletido sempre). Mas, mesmo com tudo isso, esse comentário me trouxe a certeza de que sim, vou conseguir terminar esse mestrado, e agora, confesso, quero fazer doutorado também. Apesar de tudo.
Não acho que escrevo super bem, não acho que minha pesquisa é incrível, mas acho que, para mim, ainda faz sentido. Por enquanto, faz. Mesmo nos momentos em que a estafa mental vem, mesmo com os surtos que já tive e ainda terei.
A questão com a pós-graduação em sentido estrito é que a dedicação é única e exclusivamente um resultado de si mesmo. É muito solitário, não vou mentir. Mesmo com orientador, grupo de pesquisa, e com colegas das disciplinas, a experiência como um todo é solitária. Só depende de você. E por isso dói. O resultado vai refletir um momento das nossas vidas.
Infelizmente, vi muitas pessoas adoecendo nesse processo. Eu mesma não saí totalmente impune e tenho convicção de que para enfrentar essa trajetória é preciso ser um pouco excêntrico, diria. Mas há algo muito satisfatório nisso tudo também, que é quando conseguimos, mesmo sem acreditar muito.
Perguntaram várias vezes se eu estava nervosa para a banca, mas não estava, até o dia. Acordei cedo, fui para o trabalho e comecei a sentir a cabeça formigar. Bem naquele dia, eu tive quatro prazos para entregar. Saí mais cedo do escritório, que fica no centro da cidade, próximo ao Largo São Francisco. Uniformizada de advogada-pesquisadora (obviamente comprei um look bonitinho), lágrimas rolaram. Poucos minutos antes da banca, um breve momento de ansiedade me abraçou. Eu não conseguia acreditar que aquele dia realmente havia chegado. Logo eu, que achei que não daria conta, logo eu, que perdi tantas coisas no ano passado. Consegui vencer as adversidades da vida e fazer algo por mim. Aquilo era para mim. Subi até o andar do meu departamento, um silêncio completo, um calor infernal de fevereiro na semana pré-carnaval. Os professores chegaram, conversaram comigo e, com as mãos ainda um pouco trêmulas, tomei as primeiras notas. Respirei, me sentindo um pouco parte daquele lugar. Estou no caminho, metade já foi.
Quem não ama uma indicação?
A série The Bear, disponível no Star Plus. É incrível. As atuações são envolventes demais.
Leitura do mês: Copo Vazio, Natalia Timerman. Eu comecei gostando médio, mas a leitura me pegou quando a narração de diversos lugares de São Paulo, me senti em casa.
Marina, que lindo o texto, me identifiquei bastante, passar pela pós-graduação, principalmente esses ritos que parece vida ou morte, é muito exaustivo, mas adorei como você definiu a situação, se levar menos a sério, acreditar na gente mesmo, mas não se iludir que aquele momento é o que nos define, pois sempre vão ter esses momentos. Obrigado por compartilhar sua experiência!
terminei o texto emocionada. e já salvei aqui para ler de novo quando estiver mais perto da minha qualificação, que é setembro. você falou tanta coisa importante. me identifiquei demais com o comentário sobre gente que se leva a sério demais. aqui no meu trabalho é tanta gente metendo a mão no meu trabalho, não dá para ter apego e nem vaidade com praticamente nenhuma linha que escrevo. tento lembrar disso também no mestrado. um beijo grande e parabéns pela qualificação!