Temos pouco tempo disponível (no dia e na vida) para tantos textos que gostaríamos de ler.
Ler e ser lido, ao menos uma vez, já é muito para considerar e agradecer.
Antes de expor um texto ao mundo, o processo de revisão é um encontro entre o passado e o presente. Considero o processo de escrita, em seu tempo de elaboração, algo valioso.
É importante saber encarar com generosidade a própria evolução, mas isso pode acionar alguns gatilhos. Afinal, quero encontrar as minhas palavras? O que esperar desse encontro no presente? Ainda concordo com o que escrevi ou preciso apagar algumas linhas do passado?
Ao longo do mês de setembro, enfrentei um monstro que venho guardando debaixo da cama há pelo menos um ano: meu projeto de mestrado. Se em algum momento você já encarou ou está encarando essa convicta insanidade, envio meu mais sincero abraço virtual.
Adiei o quanto pude, mas com o prazo de submissão da qualificação batendo na porta, precisei retomar a pesquisa.
Na minha experiência pessoal, ouso dizer que existe um abismo entre a pós-graduação real e aquela compartilhada como virtude.
Na pós-graduação real, a atividade de pesquisa é dividida com outras tantas: limpar a casa, trabalhar em outras atividades remuneradas, entregar prazos, ler outros textos, fazer exercício físico, existir e assim por diante. Poderia acrescentar outras realidades, que não são as minhas no momento, como maternar, cuidar, etc. Os desafios são inúmeros.
Eu decidi ingressar no programa de mestrado em 2020, o fatídico ano da pandemia de Covid-19. Entre julho e novembro de 2020, compartilhei todas as minhas outras atividades, que à época eram mais simples, com a leitura da bibliografia para a prova de conhecimentos específicos e comecei a rascunhar meu projeto de pesquisa.
Afinal, o que eu queria pesquisar? Naquela época, formulei a minha pergunta de pesquisa em um post-it amarelo e colei na parede de frente para a minha cama. Aquilo norteou tudo que foi feito depois: seleção da bibliografia preliminar, introdução, sumário provisório, objetivos gerais e específicos.
Passei no processo seletivo e nunca mais reli o projeto. Não conseguia.
Decidi focar em cursar as disciplinas - que também demandam bastante, com participação ativa nas discussões em sala de aula, apresentações de seminários e entregas de artigos no final das disciplinas, e assim concluí os créditos necessários para a qualificação.
Então, chegou o momento de enfrentar minhas ideias de 2020.
Confesso que segui determinada em adiar o momento. Revisei primeiro a bibliografia preliminar. Organizei os artigos em uma pasta, criei um Notion e elaborei um cronograma. Li meu horóscopo (mercúrio está retrógrado), e organizei os e-mails não lidos de propagandas do Gmail. Até que, em uma quinta-feira de setembro, eu respirei fundo, prendi a respiração, abri o arquivo e comecei a ler.
Fui soltando a respiração gradualmente ao ver que não estava tão ruim, mas não amei. Terminei a leitura e pensei: “E agora?”. Me senti desconectada com o tema que pensei estar alinhada durante todo esse tempo. Afinal, pensava nele enquanto lavava a louça e estendia a roupa, tinha certeza que era sobre aquilo que queria pesquisar, mas não era, não daquele jeito, o que aconteceu?
Foi então que decidi ler novamente, anotando as palavras-chave da primeira versão do projeto, até que me deparei com duas palavras que norteavam todo o arquivo, mas não eram as ideias centrais e então entendi. A ideia, afinal, estava ali desde o início, mas a construção do texto a fez parecer secundária, apenas um apoio para o que havia pensado inicialmente.
Com essa experiência, entendi ser preciso ver além das palavras. De modo geral, construímos nossa compreensão sobre fatos e coisas sem perceber que o que é realmente importante muitas vezes fica apenas como um apoio, quando poderia ser o principal e faria mais sentido.
Estou contente por redescobrir a minha pesquisa. No momento atual da pesquisa, estou revisando a bibliografia, selecionando os dados que serão coletados para a qualificação e aguardando chegar a única obra que encontrei especificamente sobre o tema.
Agora, só aqui entre a gente, preciso confessar: esse texto é o resultado da minha procrastinação ativa, já que ainda não mandei e-mail para meu orientador. Mas isso é papo para outro dia.
Quem não ama uma indicação?
Tá no repeat: Cuff It - Beyoncé
Leitura do mês: Só Garotos - Patti Smith
Estou maratonando: Extraordinary Attorney Woo (Netflix)
Vivi isso tudo sem o contexto da pandemia, em 2018, e até hoje ainda me pergunto como consegui concluir bem. É bom ler relatos assim e perceber que não fui preguiçosa ou procrastinei demais, é que todo o processo que envolve o mestrado - do projeto à defesa - é bem difícil mesmo e tem que ser conciliado com diversos fatores. (cheguei aqui pelo link de Queria ser grande...)
meu deus, esse texto falou TANTO comigo <3 obrigada por se colocar de forma tão vulnerável e, assim, falar desse lado real do mestrado.
esse parágrafo aqui bateu forte, pq parece que muita gente consegue dedicar mil horas e só eu que não:
"Na pós-graduação real, a atividade de pesquisa é dividida com outras tantas: limpar a casa, trabalhar em outras atividades remuneradas, entregar prazos, ler outros textos, fazer exercício físico, existir e assim por diante. Poderia acrescentar outras realidades, que não são as minhas no momento, como maternar, cuidar, etc. Os desafios são inúmeros."